segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

ICONOGRAFIA E SEUS SENTIDOS

Teologia da Beleza - O ícone e a liturgia

"A forma arquitetônica de um templo, os afrescos, os ícones, os objetos de culto, não são um museu, mas, como membros de um corpo, vivem de uma mesma vida mistérica, e são integrados no mistério litúrgico. Antes, é essencial, e não se pode compreender um ícone fora desta integração. Nas casas dos fiéis o ícone é posto no alto e no ponto dominante do espaço. Esse conduz o olhar para o alto, para o Altíssimo e para o único necessário. A contemplação orante passa, por assim dizer,  pelo ícone e não para nele, mas no seu conteúdo vivente que ele traduz."

(in Teologia della bellezza - Pavel Nikolaevic Evidokimov)





Vejam este ícone muito conhecido e conservado na Basília de Santa Sophia em Constatinopla, hoje Istambul. É um mosaico ricamente ornado cuja riqueza de detalhes aparece na disposição das peças que o compõem. Um olhar mais atento bem de perto vai mostrar o cuidado que seu autor desconhecido teve para que, à distância, fosse preservado o conjunto de uma obra que prima pela delicadeza.

Não cabe estudar a aplicação das cores, nem o formato clássico triangular equilátero que a imagem deixa transparecer. Vale a pena entrar no que  Evidokimov quis nos dizer sobre o lugar do ícone sagrado na vida litúrgica e na nossa vida.

Primeiro uma passagem pela importância dos ícones nas nossas vidas.

Por meio dos ícones somos conduzidos ao alto. Sua contemplação silenciosa é uma abertura ao conhecimento da dimensão amorosa de Deus que nos favorece com dons divinos.

Ver o Pai é o desejo mais íntimo da alma humana. Contemplar seu criador e a razão de nossa existência é a busca mais profunda do humano. Por certo é que no silêncio mais íntimo de nossas almas estamos querendo encontrá-lo, ver sua face amorosa e compreender definitivamente que não há outra coisa a fazer que amá-Lo.

Este ícone (uma belíssima reprodução sua) em especial eu já tive a oportunidade de contemplar em silêncio de horas no Mosteiro Camaldolense de Mogi das Cruzes, em São Paulo (1992).

Naquelas horas fui conduzido pelo Espírito a ver o Pai sem que isso me destruísse. Não esquecerei nunca aqueles raros instantes de paraíso que Ele me permitiu na sua infinita bondade viver.

A felicidade humana começa justamente nesse encontro. Deus o encontra no seu caminho particular e você sabe que não poderá mais viver sem Ele.

Um ícone, maior representação do que a arte litúrgica e sacra pode produzir é esse valioso instrumento que podemos e devemos preservar e difundir.

Não é necessário que façamos o ícone nos mesmo moldes que o Oriente fez e faz. Ainda que seja possível fazê-lo inclusive no Brasil onde há artistas ortodoxos que preservam sua técnica. Mas se compreendermos sua teologia e a própria iconosofia que lhe explica, poderemos seguir uma escola nossa e continuar reproduzindo esse maravilhoso instrumento de abertura da alma para o eterno.

Mir

sábado, 19 de janeiro de 2013

PORTA DE SÃO TOMÉ - SIGNIFICADOS



Vejam que imagem e escultura magnífica!
O Cristo em Glória com as quatro figuras aladas ao redor, 
o anjo, o leão, a águia e o touro.Detalhe de um pórtico românico de uma Igreja de Arles, na França.


Significado dos desenhos da Porta de São Tomé


A porta da Igreja dedicada a São Tomé foi concebida como uma representação estética da teologia das Sagradas Escrituras. A porta sempre é lugar de passagem. Por ela entramos no Reino de Deus. As suas chaves estão guardadas. Mas o Senhor sempre abre as portas aos pecadores redimidos.

O conjunto da porta traz imagens que são figuras das teologias vetero e neo testamentárias. A Revelação divina tem início com  Lei, é confirmada pela Profecia, conduz à Sabedoria e é fonte da Salmodia, que é o louvor permanente da comunidade orante. A escritura hebraica com sua divisão na torá (Instrução), neviim (Profetas) e kethuvim (Escritos), também é fonte de inspiração para esse trabalho. Nos evangelistas conhecemos a Revelação de Jesus Cristo, sua vida, mensagem, ensinamentos, paixão, morte e ressurreição. No fundo a arte sacra e litúrgica cumpre sua função querigmática, quando é anúncio estético dos sentidos e símbolos da fé.




No centro da porta estão desenhados as tradicionais imagens que simbolizam os quatro evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João. 

A figura de homem com corpo angelical que tem as escrituras nas mãos é símbolo de São Mateus. O leão com asas é símbolo de São Marcos. O touro com asas é símbolo de São Lucas.



Estes quatro símbolos saíram da visão encontrada no relato do livro do profeta Ezequiel (Ez 1,10. O profeta vê a glória de Deus sobre um carro. Este carro tinha quatro rodas imensas que iam da terra ao céu. Em cada roda havia uma figura diferente, seres alados: um anjo, um leão, um boi e uma águia. A tradição cristã conferiu aos evangelistas os simbolismos desses quatro animais. São Jerônimo atribuiu a cada autor dos evangelhos uma dessa figuras.

O primeiro evangelho: Mateus, o símbolo é um homem alado (com asas). Mateus dá início aos seu Evangelho com a genealogia de Jesus, isto é, com o nascimento humano de Cristo (Mt 1,1-17).

O segundo evangelho: Marcos, o símbolo é um leão (com asas). Marcos começa seu evangelho com a pregação de João Batista no deserto, onde os leões habitavam. (Mc 1,1-8).



O terceiro evangelho: Lucas, o símbolo é um touro alado. Lucas começa seu evangelho com o anúncio de João Batista que aconteceu no templo, onde os touros eram oferecidos em sacrifício aos Senhor. (Lc 1,8-23)

O quarto evangelho: João, o símbolo é uma águia. Ela voa alto e em círculos. No seu evangelho o Espírito Santo o conduz às alturas e suas palavras são de grandeza sublime. (Jo, 1,1-18)



Ao redor dos quatro evangelistas as imagens que simbolizam o Antigo Testamento. 

Sabedoria

Na parte superior esquerda está uma mulher que é símbolo da Santa Sabedoria (Santa Sophia). Ela tem os medidores do tempo, o sol e a lua, e as letras alpha e ômega, princípio e fim do alfabeto grego. A sabedoria vem com o tempo, mas começa pela compreensão de sua passagem. Nada segura o tempo, que continuamente é, sendo o que foi, e se tornando o que será. Para o homem a sabedoria é finita, mas vem da infinitude divina. Assim a Sabedoria é Deus em seu amor.

"Eu a amei e procurei desde minha juventude, esforcei-me por tê-la por esposa e me enamorei de seus encantos." (Sab 8,2)
Salmodia

Na parte superior direita está um anjo que toca uma pequena harpa. Ele é símbolo do louvor divino, cuja principal função os anjos possuem, mas é também símbolo do louvor divino que diariamente o homem faz, do nascer do sol até o seu ocaso, louvando o nome e a grandeza de Deus. Na salmodia nós aprendemos que bom é o louvar o Senhor nosso Deus.
Salmo 150
Aleluia. Louvai o Senhor em seu santuário, louvai-o em seu majestoso firmamento.

Louvai-o por suas obras maravilhosas, louvai-o por sua majestade infinita.
Louvai-o ao som da trombeta, louvai-o com a lira e a cítara.
Louvai-o com tímpanos e danças, louvai-o com a harpa e a flauta.
Louvai-o com címbalos sonoros, louvai-o com címbalos retumbantes. Tudo o que respira louve o Senhor!
A Lei

Na parte inferior à direita (almofada) está a figura de Moisés que segura as tábuas da Lei. 
"Moisés desceu do monte Sinai, tendo nas mãos as duas tábuas da lei. Descendo no monte, Moisés não sabia que a pele do seu rosto se tronara brilhante, durante a sua conversa com o Senhor." (Ex 34,29)

Representação maior da teologia judaico-cristã, Moisés é o escolhido para conduzir o povo de Israel à Terra da Promessa. No caminho que é o 'tipo' e representação da peregrinação nossa de cada dia, Moisés recebe a Lei das mãos de Deus. Ele vê o Senhor e sua face muda. Contempla a Beleza e se torna belo. A Lei, simples codex de mandatos comuns a todos, é o exercício diário que conduz à beleza divina, que cada homem e mulher é chamado a transparecer no mundo.

Na transfiguração do Senhor, nos Evangelhos, Jesus aparece falando com Moisés e Elias. 
"Eis que apareceram Moisés e Elias conversando com ele." (Mt 17,3)

A Lei nos remete diretamente à conduta moral e à ética. Caráter e ação são típicos do humano. Nasce do que somos o jeito de ser que apresentamos ao mundo. O agir segue o ser, adágio latino que nos serve aqui como boa proposta de modo de viver. Quem vê o Senhor encontra n'Ele sua identidade primordial e transparece no dia a dia seu novo modo de ser e agir.

Os profetas


Meu Senhor e meu Deus! - São Tomé

Na parte superior, acima da porta, num formato triangular está a representação da cena evangélica em que Jesus encontro Tomé, após a ressurreição.
"Depois disse a Tomé: Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe tua mão no meu lado. Não ejas incrédulo, ma homem de fé. Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus." (Jo 20,27-28)

Tomé está de joelhos diante de Jesus, que mostra sua mão direita e aponta para a chaga no seu peito, na altura do coração, por onde entrou a lança na hora da crucificação, bem após sua morte, e donde brotaram sangue e água. Em grego as palavras "kyrios mou theos mou" - Meu Senhor, meu Deus.


No alto da figura de Jesus aparece a manifestação da Trindade no triângulo com o olho que tudo vê, e que representa o Pai, donde procedem o Filho e o Espírito Santo. Este último vem representado na pomba. Ele promove no coração e na alma de Tomé o reconhecimento do Filho ressuscitado.

Ao lado da cena está Maria, Mãe de Deus, representada também nas letras gregas Μ, Θ e Σ, 'Marias Theotókos'. No canto esquerdo, o cordeiro imolado tem o coração ferido, donde brota uma fonte de água, símbolo do batismo. E atrás do Cordeiro, as cruzes, representação da Morte e Ressurreição do Senhor, porque não há Páscoa sem a Paixão. Ambas estão interligadas pelo mistério da salvação. O Cordeiro imolado é o Cristo Jesus ressurrecto que aparece ao descrente Tomé.




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

PORTA DA SÃO TOMÉ - ETAPA FINAL

Apresento-lhes a porta da São Tomé em sua execução final, que termina com sua instalação.

O vídeo traz uma breve exposição em slides das etapas da realização da porta, desde o entalhe nas madeiras até sua montagem.



As fotos trazem a porta instalada na fachada da igreja de São Tomé em Bonsucesso.















No próximo 'post' apresento a inspiração teológica por trás dos desenhos entalhados.