segunda-feira, 30 de maio de 2011

CRISTO - PROTÓTIPO DA HUMANIDADE REDIMIDA

Depois de lerem o texto anterior, convido-os ao exercício da contamplação da qual nos falava São João Damasceno. No rosto do Cristo que lhes ofereço, façamos o caminho que os ícones nos convidam a percorrer, isto é, da imagem, prefiguração do divino, até a visão de Deus, desejo de cada coração inquieto peregrino desta terra.

Contemplem o divino protótipo da nossa humanidade.

Vejam que caminho simples de amor nos oferece, Ele mesmo dado por amor a nós.

Encontrem nele a verdade que buscam, conhecimento das coisas no que é essencial.

Desfrutem a vida em abundância que só o divino permite, porque dá valor ao humano na sua completude.

Ei-lo!

Cristo Pantocrator - Grécia, séc 16, Centro Católico de rito bizantino-eslavo, Mônaco

Se procuram o "Ecce homo!" - Eis o homem! - de Pilatos na angústia e dor da Sexta da Paixão, encontrarão o "Rabouni!" - Meu Mestre! - de Maria Madalena no seu encontro com o Ressuscitado na manhã da Páscoa.

Neste encontro da sua humanidade poderão viver a paz divina daquele que lhes diz desde a tarde da Ressurreição: "Shalom!" - A Paz esteja com vocês!

É pela superabundância do Espírito derramado na gênese da Igreja que poderemos contemplá-lo.
Peçam com humildade: "Veni Creator Spiritus!"- Vinde Espírito Criador e refazedor da minha humanidade.

Que o toque do divino na humanidade espalhadando a sacralidade a todas as coisas os atinja no centro de suas existências.

Mir

A TEOLOGIA DA IMAGEM - A IMAGEM COMO PARTICIPAÇÃO DO DIVINO (última parte)

A imagem como participação do divino
(O ícone Imagem do Invisível - Egon Sendler - tradução)


Na sua análise das diversas espécies de imagens (Adversus eos qui sacras imagine abiciunt, - Contra aqueles que lançam ao mar suas imagens - de 730), João Damasceno aplica as categorias neoplatônicas de Dionísio, o Aeropagita. Para ele a imagem é participação do modelo e do protótipo. Essa participação não é somente poética, mas ontológica; a participação é semelhança ontológica. Por sua natureza, a participação na ordem da criatura nunca é adequada, mas inclui sempre uma deficiência. Portanto São João Damasceno define a imagem como “uma semelhança que caracteriza o protótipo, sendo diferente de qualquer coisa”¹. O grau da semelhança depende do grau da sua participação no protótipo. É o princípio da classificação de São João Damasceno. Partindo da imagem consubstancial que é o Verbo, chega ao ícone, o reflexo da realidade invisível da matéria.


A imagem, na sua forma perfeita, diz ele, não existe senão na Santíssima Trindade: é o Verbo eterno gerado do Pai, que possui em si a plenitude da natureza divina. Tudo o que possui o Pai, o possui o Filho. O Verbo é participação perfeita, sem deficiência, é semelhança perfeita: a sua natureza é a natureza própria do protótipo.


A Paternidade - Escola de Novgorod, séc 14 - Galeria Tretjakov, Moscou.

O grau seguinte desta hierarquia é a imagem que Deus tem das coisas criadas partir dele: o mundo do jeito que existe no “conselho eterno de Deus”. São João Damasceno retorna à expressão de Dionísio que ele tinha qualificado de ‘predeterminação’. Antes da sua existência, da eternidade, as coisas estão presentes no pensamento de Deus como um modelo, como uma imagem.


O terceiro gênero de imagens são as coisa visíveis enquanto representam as coisas invisíveis: “sem a figura, desse modo, retratando-lhe corporalmente, nós temos um conhecimento velado”². A razão é que o homem não pode elevar-se à contemplação das coisas invisíveis sem a mediação das coisas visíveis. Também a Escritura se adapta à insuficiência do nosso espírito, para despertar em nós o desejo de Deus. Analogamente, a natureza revela os mistérios da fé: no sol, na sua luz e nos seus raios se refletem o mistério da trindade. Da sua parte, por assemelhar-se a Deus, o homem recebeu a inteligência, a palavra e o respiro.


O quarto gênero de imagens é vizinho ao precedente: são as coisas futuras que podem ser prefiguradas como uma coisa ou um advento presente: assim a sarça ardente evoca a Mãe de Deus, a água e a nuvem evocam o Espírito que batiza.


O quinto gênero de imagens é aquele das coisas passadas que são feita para conservar a memória de um personagem ou de um acontecimento. Estas imagens são expressas com a palavra nos livros ou são reproduzidas sobre os quadros para serem contempladas por nós. “Graças a esses, evitamos os males e aspiramos ao bem”³. É neste ponto que São João Damasceno menciona o ícone: “Nós, então, hoje, pintamos imagens (ícones) de cores que são estados eminentes de virtude, para trazer de volta à memória, para imitá-los, e para o amor que carregamos conosco”.


São João Damasceno não se alonga na sua análise sobre as imagens. Nesta hierarquia que vai da semelhança perfeita pela identidade substancial entre o Pai e o Filho até as coisas sensíveis, a imagem ocupa o grau mais baixo. Aqui a analogia é a menos perfeita. São João Damasceno não distingue a imagem natural, a que é capaz de participar da substancia do protótipo, da imagem artificial, que participa com a sua semelhança. A concepção da imagem se funda, antes de qualquer coisa, sobre uma participação ontológica.


A razão desta ambigüidade é devida indubitavelmente ao fato que São João Damasceno devia enfrentar a objeção fundamental da iconoclastia, cuja opinião é de que a matéria é prisioneira, é incapaz de representar a realidade espiritual. Para revalorizar a matéria, ele busca ajuda nas categorias do neoplatonismo de Dionísio e assim dá à participação ontológica um novo aspecto, fundando-a sobre a cristologia: “Não cessarei de venerar a matéria pela qual me veio a salvação, mas não a venero como Deus. Como poderia ser Deus aquilo que teve a existência vinda do nada? Também se o corpo de Deus é Deus, é advindo pela união hipostática sem mudança senão aquela da unção, para permanecer o que é por natureza, e isto é carne animada de uma alma racional, criada e não criada. Mas venero pois o resto da matéria mediante a qual me veio a salvação, como repleta da energia divina e de graça (...) Não desprezo a matéria: essa não é desonrosa, porque nada do que Deus fez é desonroso”.


Deste texto resulta bem o caráter da imagem na sua riqueza, bem como se chega ao último grau da hierarquia. O princípio fundamental desta concepção deriva da Encarnação do Verbo. Na união do Verbo com a natureza humana, o corpo de Cristo se tornou santo, pleno de graça: João o chama assim homótheos, - igual a Deus. E, no seu corpo, toda a matéria foi santificada. “Parece que no pensamento de Damasceno se vê a idéia da comunicação difusa da santidade do corpo de Cristo às outras matérias, a idéia de uma participação ontológica entre o corpo de Cristo e a sua efígie”.

 A Transfiguração - Igreja de Berat, séc 16 (Foto Bulloz).

Estas duas análises da imagem, uma no espírito e no método do aristotelismo, e a outra seguindo o esquema do neoplatonismo de Dionísio, parecem antes visões opostas, mas no fundo acabam coincidindo. A análise do sinal parte da forma mais simples para elevar-se até o símbolo com seu caráter epifânico. A análise do ícone começa com a imagem consubstancial na divindade, para subir até a maior materialização. Sem dúvida, a segunda concepção é mais rica, porque supõe a Revelação e é mais habitual ao mundo bizantino. Todavia, elas têm em comum o traço essencial do ícone: uma presença do indizível que vem da matéria.


¹ Adversus eos qui sacras imagine abiciunt, op. cit. – PG 94, 1240.
² Von Schoenberg, Christoph, L’iconê du Christ, Éditions Universitaires, Freiburg (Suíça), 1976, pg. 191-193.
³ Op. cit. – PG 94, 1243-1244.
Op. cit. – PG 94, 1245.
Ibidem.
Schoenberg-CHR, Von, op. cit., pg. 195.

Mir

sábado, 21 de maio de 2011

ÍCONE DE MARIA MÃE DA IGREJA (1992) - TEOLOGIA E SIMBOLISMOS

Abreviação usual

Aparecem letras em grego e cirílico, tal qual no ícone do Cristo Pantocrator sobre o qual falei no ‘post’ anterior.  Eis as letras

МР – abreviação usual em cirílico da palavra grega ΜΗΤΗΡ – méter – mãe (nominativo)

ѲУ – abreviação usual em cirílico da palavra grega Θεον – Theón – de Deus (genitivo)

Portanto a inscrição se refere à proclamação da Igreja que Maria é Theotókos, Mãe de Deus.

A geometria no ícone

Se tomarmos o quadro do ícone e dividirmos este retângulo em quatro partes, será possível ver as linhas imaginárias passando pelos traços dos olhos, pela borda da veste azul sob o manto vermelho, e a última linha passando pela ponta dos dedos da mão direita que apresenta uma igreja.

Outro elemento geométrico que aparece é de novo um triângulo isósceles. Ele pode ser desenhado dos cantos inferiores do retângulo até o meio exato da linha superior. Assim aparece um triângulo no qual estão inseridos a cabeça e tronco de Maria.

A cabeça de Maria e a auréola que lhe circunda não estão concêntricas, mas se tangenciam na parte inferior das linhas circulares. São círculos excêntricos.

As cores

Assim como no ícone de Cristo Pantocrator, o fundo dourado é símbolo da luz divina, porque diferente do amarelo o ouro irradia luz própria, é o reflexo puro da luz, é esplendor.

O azul da veste de Maria é símbolo da sua humanidade. Ele é a mulher que concebe e dá à luz ao Filho de Deus. Ela é a mulher em que chegada a plenitude dos tempos recebe do Pai a força engendradora do Espírito que concebe em seu ventre o Verbo de Deus.

O Manto vermelho é símbolo da divindade que reveste sua humanidade, sem a qual não poderia gerar o Messias. Maria é a mulher que representa todos nós que fomos revestidos pela divindade por meio do batismo e nos tornamos filhos de Deus. Ele tem sua humanidade  que é revestida pela divindade.

A teologia, a liturgia e a Igreja a proclamam Toda Santa ou Imaculada – ‘Panhagia’ ou ‘Imaculata’- , porque sua humanidade foi preservada do pecado para que fosse o templo de Deus, a moradia do altíssimo em que a inabitação divina se realizasse como arquétipo da habitação de Deus em cada um de nós.

Os símbolos

A mão direita de Maria apresenta delicadamente a Igreja que segura com a mão esquerda próxima ao coração. Ela indica a Igreja como a casa de Deus tal e qual ela o é, mas também como o lugar do encontro com Deus. A assembléia convocada pelo Pai é a igreja peregrina, que caminha na história procurando ser fiel ao Filho, ao mesmo tempo recebe a intercessão de Maria que cuida dele como sua filha amada. Por isso ela também é chamada de ‘Mater Ecclesiae’ – Mãe da Igreja.

 ícone Maria Mater Ecclesiae - detalhe

Mir

ÍCONE CRISTO PANTOCRATOR (1992) - TEOLOGIA E SIMBOLISMOS

Abreviação usual

Aparecem letras em grego e cirílico. Estas inscrições têm escolas históricas conhecidas pelos modelos de desenhos das letras (Novgorod, Mosca, Saltério, Rublev, Storganov). No ícone usei as letras que lembram o formato usado pela escola de Novgorod do século 14. Mas é só uma imitação. Eis as letras:

Α –alpha – primeira letra do alfabeto grego – simboliza que o Cristo é o princípio das coisas

Ѿ – ômega – última letra do alfabeto grego – simboliza que o Cristo é o fim das coisas

Θ – Theta – Primeira letra da palavra grega Theós – Deus – siginifica que o Cristo é Deus com o Pai

ІϚ – abreviação da palavra grega - Iesous – Jesus

ҲϚ– abreviação da palavra grega - Christós – Cristo



A geometria no ícone

Se tomarmos o quadro do ícone e dividirmos este retângulo em quatro partes, será possível ver as linhas imaginárias passando pelos traços dos olhos, pela borda da veste vermelha na base do pescoço, e a última linha na borda do livro dos Evangelhos.

Outro elemento geométrico que aparece é um triângulo isósceles. Ele pode ser desenhado dos cantos inferiores do retângulo até o meio exato da linha superior. Assim aparece um triângulo no qual estão inseridos a cabeça e tronco do Cristo.

A cabeça do Cristo e a auréola que lhe circunda não estão concêntricas, mas se tangenciam na parte inferior das linhas circulares. São círculos excêntricos.


As cores

O fundo dourado é símbolo da luz divina, porque diferente do amarelo o ouro irradia luz própria, é o reflexo puro da luz, é esplendor.

O vermelho da veste do Cristo é símbolo da divindade e realeza. Ele é o Cristo Senhor de todas as coisas e debaixo de seus pés lhes serão submetidas a existência de tudo.

O Manto azul simboliza a humanidade que reveste a divindade de Cristo.

Ele é a divindade que se reveste da humanidade.

Evidente que a teologia é mais profunda, pois não há separação da humanidade de Cristo e da sua divindade. Mas o simbolismo quer representar a grandeza do humano tocado pelo Deus de amor e de vida.


Os símbolos

A mão do Cristo tem dois dedos juntos e suspensos, em forma de bênção. São símbolos de sua natureza divina  e humana. Os outros três dedos se tocam e simbolizam a Santíssima Trindade da qual o Filho é uma das Pessoas divinas.

O Livro dos Evangelhos é segurado por sua mão esquerda. Ele é o Verbo de Deus, traz a Palavra no coração e na boca, porque Ele próprio é a Palavra encarnada. Lembremo-nos de Emaús, os discípulos diziam – ‘Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’ (LC 24, 32).



ícone Cristo Pantocrator- detalhe
Mir

sexta-feira, 20 de maio de 2011

ÍCONES DE CRISTO PANTOCRATOR E MARIA MÃE DA IGREJA

Em 1992, realizei a pintura de dois ícones em couro dourado, que foram costurados numa dalmática (veste celebrativa dos diáconos). Um ícone é de Cristo Pantocrator (Todo poderoso) e o outro dedicado à Maria Mãe da Igreja.


O vídeo apresenta com o apoio da execução marvilhosa do Glória de uma Missa de Mozart (Missa C-Dur, KV 259 von Mozart für Soli, Chor und Streicher, gesungen von unserem Kirchenchor) detalhes do trabalho, que nos dois próximos 'post' explicarei a teologia por trás de sua execução.
Aproveitem.


Mir

terça-feira, 17 de maio de 2011

ÍCONE DE SÃO FRANCISCO - 1982

Em 1982, eu participei de uma peça teatral sobre a vida de São Francisco que foi apresentada na Paróquia de São José Operário em Realengo. Não tenho certeza, mas é provável que começamos a trabalhar nos ensaios no ano anterior (1981).


Eu tinha 13 para 14 anos. Aproveitei e li 'Il Fioretti', emprestado por um franciscano do Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Apaixonei-me pela vida daquele jovem e grande homem do século 13. Li o 'Irmão de Assis' de Inácio Laranhaga e perdi a conta de tantos outros livros que li sobre a vida desse homem extraordinário.


Estive depois em Assis (1995), e, contemplando a Umbria, entendi o porque de tanta paixão por Deus. Basta um simples olhar movido pelo Espírito Santo para que seja possível ver Deus em cada canto daquele lugar.


Naquele ano de 1982, aventurei-me na pintura desse ícone, sem saber do que se tratava, .
Óleo sobre cartão. É um trabalho imaturo, como eu era naquela época.
Esta obra sobreviveu, passou por muitos lugares onde andei. Sempre esteve comigo.


Obrigado Pai Seráfico.
São Francisco de Assis, rogue por mim sempre.
Mir

São Francisco de Assis - 1982 - óleo sobre cartão - 44x16 cm

São Francisco de Assis - 1982 - óleo sobre cartão - 44x16 cm (detalhe)

A IMAGEM COMO SINAL

'Segundo o aristotelismo, o homem tem uma dupla possibilidade para conhecer o mundo: o pensamento direto, no qual o objeto se apresenta sem intermediário à percepção, por exemplo, na sensação; e o pensamento indireto, no qual um sinal determinado se põe entre a realidade e o espírito. Embora esta distinção nunca seja muito clara, porque a consciência dispõe de diversas ordens de imagens, a representação indireta é fundada sobre o sinal, que inclui necessariamente dois elementos, o significante, e o sentido que ele anuncia, i.é, o significado. Estes dois elementos, que são dois aspectos de uma mesma realidade, constituem o sinal. Portanto, no sinal, o mundo espiritual se une ao mundo material.

Como representação indireta, o sinal pode ser uma simples representação adequada à realidade, que, como tal, permanece presente no objeto. Isso representa o objeto como uma cópia estilizada ou é fundado sobre convenções. A esta categoria pertencem os sinais da vida cotidiana, os sinais de trânsitos, os sinais e os algoritmos das ciências, bem como as palavras de uma língua. A sua função é exprimir as definições num jeito mais claro e prático, mas acabam presas aos limites de seu domínio, são como fechados em si mesmos.


Quando um sinal não apresenta mais uma coisa sensível, mas um sentido abstrato, ou seja, quando não é mais representável, então aparece uma dimensão que ultrapassa o significante: o sinal se torna símbolo. Então, no símbolo, o significante e o significado estão intimamente unidos, mas o modo dessa união é uma analogia e não uma equação. Existe uma relação entre o sinal concreto materializado e uma realidade ausente impossível de perceber. Todavia, não obstante os seus limites, o significante representa o sentido pleno do significado.  Além disso, por influência do significado, o significante participa da abertura para o infinito. Portanto, o símbolo é centrípeto, ou seja, mediante o significado tende para o indizível, e se torna epifania. Tal interação alarga a qualidade do sinal; esse pode exprimir valores não representáveis e até mesmo antinômicos. Assim o símbolo ‘fogo’ pode ter uma gama de significados que vai do ‘fogo purificador’ ao ‘fogo infernal’.

Outra conseqüência da extensão do símbolo é que não se pode facilmente determinar-lhe o sentido. O símbolo pode ter até mesmo sentidos diversos, e, por interpretação derivada da visão particular de um artista ou sob o influxo de circunstâncias históricas, esse pode receber um novo fluxo. Assim, o orante da catacumba pode ser um símbolo da alma de um defunto, da oração e também da Igreja.

O caráter transcendental do símbolo exige mesmo um modo de expressão que ultrapassa aquele do sinal: limitando-se a um sentido direto, esse representa o conteúdo com uma certa ênfase, amplifica a força da expressão e age por redundância. A isto se junta a repetição, que permite aprofundar a irradiação do símbolo. Assim, no campo religioso, com uma repetição de palavras e gestos, os fiéis são convidados a abrir-se ao mundo para além do seu.

À categoria dos símbolos pertencem também as suas outras formas: o emblema, a alegoria, a parábola e também o sinal sob os seus diversos aspectos na filosofia moderna. Tudo isto mostra a riqueza e a potencialidade do símbolo, mas não muda a sua essência, o seu caráter transcendental.

O pensamento cristão, que tende a exprimir os mistérios da fé, usa largamente o símbolo. Inicialmente se serve dos símbolos que, não obstante a sua origem pagã, representam valores transcendentais da humanidade. Esses são aprofundados e enriquecidos com um sentido especificamente cristão (a pomba, o pavão, a âncora). Em seguida, o sentido original desaparecerá para dar lugar a novas criações, como o peixe e o cordeiro, símbolos de Cristo. Ao final desta evolução, quando a teologia terá elaborado a doutrina da encarnação, a imagem propriamente dita substituirá o símbolo, para tornar-se a representação privilegiada dos mistérios.

Mantendo todas as propriedades do sinal e do símbolo, a imagem sacra reúne o elemento humano. Transcendente e abstrato, o símbolo se torna imagem transcendente, porém concreta. Portanto o infinito se reflete no finito, o indizível se deixa exprimir.'

O ícone, imagem do invisível - de Egon Sandler - Cap 5 (continuando a tradução)

peixe e pães
afresco da Catacumba de São Calixto - séc III - Roma 

domingo, 15 de maio de 2011

O BOM PASTOR

Bom Pastor, segunda metade do século III , Catacumba de Priscila, Roma




Uma das mais antigas representações que se tem da figura de Jesus é a imagem do Bom Pastor.
Estamos na época da arte que chamamos paelocristã. Mosaicos e afrescos são as técnicas utilizadas por artistas anônimos, que deixaram no cristianismo ainda escondido nas catacumbas o primeiro acervo da arte sacra e litúrgica.
Ainda é um cristianismo com forte acento rural, mas adequadamente urbano.
Ao contrário do que possa pensar, a fé cristã primeiro floresceu nas cidades, pois foi de urbe em urbe que São Paulo deu o impulso ao cristianismo nascente. Um olhar atento também verá nos Atos dos Apóstolos inúmeras referências à cidades, antes do que se costuma chamar no estudo exegético de ciclo de Paulo. É Pedro e outros apóstolos realizando milagres e ações prodigiosas nas cidades de Jerusalém, Antioquia, entre outras.
Não é admirável que tenhamos desaprendido a lidar com o desafio das cidades, quando nascemos nelas?
Neste afresco, de caracterísitcas notadamante pagãs, podemos ver que o cristianismo não vai se furtar de usar os recurso externos à sua realidade.
Os afrescos são a primeira mídia de comunicação com o povo iletrado e analfabeto. Eles não sabem ler e apenas escutam e guardam com a memória oral as primeiras leituras de textos cristãos, bem como na rememorização dos textos do hebraismo antigo em meio às primeiras celebrações eucarísticas. As pinturas, mosaicos, esculturas e vitrais vão ser para muitos a biblioteca que conservará a grande tradição da Igreja.
Voltemos brevemente à imagem do Bom Pastor nesse domigo ao qual a liturgia pascal lhe atribui.
Certa vez, passei um bom tempo estudando num lugar que tinha duas curiosas características. Para ira à escola sempre descia a montanha passando por um cemitério lindo, muito bem cuidado.
Do outro lado, toda a vez que queria passear no que sobrou da antiga Floresta Negra, passava por uma pasto amplo, onde sempre havia ovelhas.
Elas sempre estavam dispersas. Em pequenos grupos ou solitárias, elas pastavam indiferentes a quem as via. Não tinham rumo, apenas comiam e passavam o resto do tempo soltas a esmo.
Uma única vez vi o responsável por elas. O pastor que lhes cuidava.
Que diferença! Elas não estavam mais dispersas, caminhavam juntas a ele, às vezes ele ia à frente, e elas lhe seguiam; outra hora, no meio delas, batia delicadamente para fazê-las andar. Ainda uma vez, deixava o rebanho seguindo o rumo que havia indicado, para recuperar alguma combalidada ou cansada que ficara para trás.
Recuperada a ovelha, estimulava seus passos, empurrava com a ponta do cajado, e logo a ovelha estava no meio das outras.
Assim nos é o Senhor Jesus, um Pastor por excelência, cuidando, guiando, recuperando. Não há motivos para nos preocuparmos. Ele sempre cuida de nós.


"O Senhor é meu Pastor,
nada me faltará!" (Sl 22,1)

File:Good sheperd pushkin.jpg
O Bom Pastor, Museu Lateranense, Roma

sábado, 14 de maio de 2011

O ÍCONE, IMAGEM DO INVISÍVEL

Vou publicar a tradução de alguns trechos da obra - O ìcone, imagem do invisível - de Egon Sandler, importante obra sobre a iconografia cristã e seu desenvolvimento no tempo. Além de apresentar todas as técnicas para a execução de um ícone nos moldes bizantinos.


Começo pelo capítulo 5


A teoria da imagem


A longa gênese da imagem sacra permitiu descobrir as fontes teológicas bem como seus condicionamentos culturais. Ora, é tempo de por o problema do ícone na ordem teórica. Foi visto claramente a posição teológica da luta pelas imagens: a Encarnação do Verbo, as suas relações com o mundo criado, com a  matéria. Resta considerar a teoria do ícone em modo mais abstrato. Qual é a essência da imagem? É possível ver que esta pergunta, incontornável, encontra-se no ponto de conjunção entre a filosofia e a teologia.


Para compreender melhor as dimensões espirituais do ícone, é preciso distingui-los das imagens. A imagem faz parte da categoria dos signos. Ora, é com os signos que o espírito humano se representa no mundo. Desde Platão, os filósofos construíram sistemas diferentes para provar que o pensamento corresponde à realidade e que é verdadeiro. Assim se formaram duas grandes correntes.


O platonismo afirma que o homem reconhece as coisas do mundo por meio de idéias preexistentes. Antes da sua gênese eu vejo estas idéias que, sozinhas, tem uma verdadeira existência. Isto que existe no mundo material não é mais que uma sombra do mundo eterno das idéias.


O Ocidente, as suas correntes filosóficas dominantes e a ciência moderna em especial seguem outra corrente, a do Aristotelismo. Neste sistema filosófico, um conhecimento é possível, porque o espírito humano é capaz de fazer abstrações dos elementos individuais para extrair a essência das coisas e classificá-las num número restrito de categorias.


Estas teorias do conhecimento têm um papel importante para a concepção das imagens e ambos servem à sua explicação. Pode-se dizer mesmo que a teoria da imagem é um caso particular da teoria do conhecimento.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

ICONOGRAFIA E SEUS SENTIDOS

Teologia da Beleza - O ícone e a liturgia
"A forma arquitetônica de um templo, os afrescos, os ícones, os objetos de culto, não são um museu, mas, como membros de um corpo, vivem de uma mesma vida mistérica, e são integrados no mistério litúrgico. Antes, é essencial, e não se pode compreender um ícone fora desta integração. Nas casas dos fiéis o ícone é posto no alto e no ponto dominante do espaço. Esse conduz o olhar para o alto, para o Altíssimo e para o único necessário. A contemplação orante passa, por assim dizer,  pelo ícone e não pára nele, mas no seu conteúdo vivente que ele traduz."
(in Teologia della bellezza - Pavel Nikolaevic Evidokimov)


Vejam este ícone muito conhecido e conservado na Basília de Santa Sophia em Constatinopla, hoje Istambul. É um mosaico ricamente ornado cuja riqueza de detalhes aparece na disposição das peças que o compõem. Um olhar mais atento bem de perto vai mostrar o cuidado que seu autor desconhecido teve para que, à distância, fosse preservado o conjunto de uma obra que prima pela delicadeza.
Não cabe estudar a aplicação das cores, nem o formato clássico triangular equilátero que a imagem deixa transparecer. Vale a pena entrar no que  Evidokimov quis nos dizer sobre o lugar do ícone sagrado na vida litúrgica e na nossa vida.
Primeiro uma passagem pela importância dos ícones nas nossas vidas.
Por meio dos ícones somos conduzidos ao alto. Sua contemplação silenciosa é uma abertura ao conhecimento da dimensão amorosa de Deus que nos favorece com dons divinos.
Ver o Pai é o desejo mais íntimo da alma humana. Contemplar seu criador e a razão de nossa existência é a busca mais profunda do humano. Por certo é que no silêncio mais íntimo de nossas almas estamos querendo encontrá-lo, ver sua face amorosa e compreender definitivamente que não há outra coisa a fazer que amá-Lo.
Este ícone (uma belíssima reprodução sua) em especial já tive a oportunidade de contemplar em silêncio de horas no Mosteiro Camaldolense de Mogi das Cruzes, em São Paulo (1992).
Naquelas horas fui conduzido pelo Espírito a ver o Pai sem que isso me destruísse. Não esquecerei nunca aqueles raros instantes de paraíso que Ele me permitiu na sua infinita bondade viver.
A felicidade humana começa justamente nesse encontro. Deus o encontra no seu caminho particular e você sabe que não poderá mais viver sem Ele.
Um ícone, maior representação do que a arte litúrgica e sacra pode produzir é esse valioso instrumento que podemos e devemos preservar e difundir.
Não é necessário que façamos o ícone nos mesmos moldes que o Oriente fez e faz. Ainda que seja possível fazê-lo inclusive no Brasil onde há artistas ortodoxos que preservam sua técnica. Mas se compreendermos sua teologia e a própria iconosofia que lhe explica, poderemos seguir uma escola nossa e continuar reproduzindo esse maravilhoso instrumento de abertura da alma para o eterno.
Mir

terça-feira, 10 de maio de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

ICONOGRAFIAS DE SÃO JORGE II

Apresento-lhes um breve vídeo que traz a passagem no tempo de diferentes formas de representar São Jorge, em escolas iconográficas bem distintas (grega, russa e búlgara).
A música de fundo é de Bach (Kantate BWV 51 - "Alleluja" (Emma Kirkby, Sopran).
Dizem que Bach não fazia músicas sobre Deus, mas as escrevia para Ele.
Aproveitem.

sábado, 7 de maio de 2011

ICONOGRAFIAS DE SÃO JORGE I

Estamos acostumados a ver as imagens de São Jorge (escultóricas ou pictóricas) segundo um imaginário popular bem característico do Brasil.

Não sabemos, contudo, a força da veneração desse mártir em igrejas tão distantes da nossa, quanto em outras religiões. Não posso esquecer que o jardineiro e segurança da casa de Ratisbonne em Jerusalém, onde morei e estudei, era um mulçumano devotíssimo de São Jorge. Ele carregava sua medalha no peito como muita tranquilidade. Entre os mulçumanos também é famosa a veneração a Maria.

O ícone que lhes apresento vem da tradição ortodoxa. Pintado no século 14 já apresenta algumas variações cromáticas, ainda que mantenha as carcterísticas planares da iconografia bizantina. Demonstra a força da devoção a São Jorge espalhada pela Igreja Russa e pelas outras irmãs ortodoxas (grega, antiquena, etc). Possui pouca sombra e quase nenhuma perspectiva. Impera a cor vermelha, símbolo do martírio, e lá está o dragão, símbolo do mal. Jorge monta seu cavalo branco enquanto é abençoado pelo Cristo, representado pela mão que sai do alto da tábula, com a inscrição nas iniciais em Grego (IC) primeira e última letra da palavra grega Jesus - IESOUS.
O nome do santo também aparece no ícone - Georghes - Jorge.

Museu de Leningrado - Rússia - séc 14

PRESBITÉRIO DA IGREJA SÃO JOSÉ OPERÁRIO - 1992

Projeto e execução da reforma do presbitério
Paróquia São José Operário - 1992 - Rio de Janeiro
Em 1992, propus ao então pároco Pe Vitorino Vegine a reforma do presbitério da igreja, para adequá-la aos princípios da reforma litúrgica oriundos do Concílio, bem como aos novos modelos arquiteônicos de funcionalidade litúrgica e pastoral.
A nave central da igreja é um projeto muito interessante. Não reproduziu a tendência do estilo neoclássico que dominou a arquitetura das igrejas construídas até os meados da década de 40 do século passado, no Rio de Janeiro.
A obra parece ter sido executada de forma primorosa pelos empreiteiros de então.
A nave tem o formato de uma cruz romana. O seu pé direito é bem alto, e ao longo da nave se estendem semi arcos ogivais (de inspiração gótica), cujo acambamento foi muito cuidadoso.
As janelas são altas, mas não houve solução para sua função.
O presbitério é circundado pelo arco ogival completo.
As naves laterais possuem os semiarcos ogivais.
O piso é de pó de granito.
O presbitério tem acesso com três níveis.
À direita havia a capela batismal, transformada depois em capela do Santíssimo.
Havia uma pintura na ábside, provavelmente um afresco com carcterísticas modernas.
Alguns dizem que pertencia à Portinari (fato duvidoso e de pouca possibilidade,uma vez que não há registros de que Portinari tenha feito uma trabalho em Realengo - veja em http://www.portinari.org.br/). Pelas carcterísticas dadas por quem viu o trabalho, poderia ser uma obra de Antonia Maria Nardi, mas também não há qualquer registro de um possível execução feita por ele em Realengo (ver http://www.antoniomarianardi.it/artesacra.htm). Há uma outra pintura que seria similar na frente da igreja de São José em Magalhães Bastos, cujo autor é desconhecido.
A idéia original do projeto de  1992 era substituir o piso do presbitério por granito, o que foi executado apenas em parte por razões econômicas (apenas a moldura do presbitério recebeu granito, o restante foi feito com porcelanato).
O altar era pra ser em granito, e foi usado mármore branco. Os painéis em baixo relevo, foram feitos em cimento desenhado e completado com pedras depois. Representam a teologia do sacrifício de Cristo prefigurado, realizado e completado na história da salvação: o sacrifício de Isaac, o corpo e o sangue oferecidos na ceia, e o cordeiro imolado do Apocalipse.
O ambão tinha o formato de uma mão estilizada, isso foi alterado.
A pia batismal tem o formato octogonal, referência à teologia bastismal sobre a recriação. Em setes dias Deus criou o mundo, e no oitavo, dia da ressurreição de seu Filho, ele recriou todas as coisas n'Ele.
A sédia com o apoio alto com um arco pleno (alterado depois) e as auxiliares conjugadas compõem o conjunto completo do presbitério.
Unificar a funcionalidade litúrgica e pastoral do sacramentos, essa foi a tese principal.
As alterações posteriores feitas no conjunto do presbitério tiraram-lhe o que havia de mais precioso, simplicidade e formas harmônicas.
Foram introduzidos novos elementos sem o devido cuidado, tais como pedras escuras com resinação mal acabada e num formato que tenta lembrar um montanha (?), a pintura azul celestial cheia de nuvens com aspectos pictóricos duvidosos, além do rebaixamento do teto numa curvatura que desrespeita as linhas ogivais harmônicas da igreja. Sem falar na substituição da Cruz pela imagem do Cristo ressuscitado, este com características interessantes, mas que acabou deslocado no conjunto da nova reforma.
Uma nova reforma desse porte deveria ser conduzida por quem tivesse o mínimo de conhecimento teológioco, artístico e litúrgico, sob pena de produzir um trabalho de difícil assimilação. O que de fato aconteceu.

Mir

A IRMANDADE DE SÃO TOMÉ

A Irmandade de São Tomé é uma instituição recente. Promovida pelo Pe Abílio de Vasconcelos, existe há mais de dez anos, e tem o objetivo missionário de ser uma presença do Apóstolo São Tomé na vida da região urbana em que se encontra, Bonsucesso, Rio de Janeiro. Bairro tradicional com forte presença de empresas e grandes galpões por causa da proximidade com o Porto do Rio, bem como  e  o acesso à Av. Brasil, Bonsucesso também tem uma população urbana que se divide em grupos na extrema pobreza e outro de clase média C. Favela e asalto convivem em harmonia, o que é uma das grandes características da cidade carioca.

A comunidade portuguesa acompanha Pe Abilinho como o chamam os portugueses. Eles são fundamentais na realização desse projeto. Por isso mesmo, a segunda dedicação da igreja é à Nossa Senhora de Fátima.

No site Ver e Crer eles atualizam seus trabalhos e atividades pastorais.

Conheça mais sobre a Irmandade no site: http://www.verecrer.com.br/



IGREJA DE SÃO TOMÉ - PROJETO ARTÍSTICO E ARQUITETÔNICO - 2010 (AINDA EM EXECUÇÃO)

Projeto artístico litúrgico/sacro da Igreja de São Tomé (Irmandade)
Rio de Janeiro - início em 2010


O Cônego Abílio Vasconcelos, responsável pela Irmandade de São Tomé, aprovou a indicação que Pe José Roberto Devellard fez dos meus trabalhos. Então, apresentei-lhe alguns projetos para a igreja, que já vinha em construção.
São ao todo 10 projetos que compõem o conjunto da obra a ser realizada:
- Vitrais
- Presbitério: painéis da ábside
- Altar, sédia e ambão
- Fachada da igreja
- Forro do teto da nave central
- Piso da nave central, lateral e presbitério
- Capela do Santíssimo: Painel, tabernáculo e seu suport,e altar
- Capela Batismal: Painel e pia batismal
- Bancos da Igreja
- Iluminação interna da igreja
É uma obra longa, com muitos detalhes. O vídeo apresenta alguns dos projetos desenhados e aprovados, e fotos dos vitrais já executados. Breve teremos mais imagens do piso e do teto executados.
O conjunto do projeto pretende unir funcionalidade litúrgica, pastoral e sacramental, além da beleza mistagógica que toda igreja deve ter.
Mir 

sexta-feira, 6 de maio de 2011

VITRAIS - SEMINÁRIO SÃO JOSÉ - RIO DE JANEIRO - 1990

Vitrais - Seminário Arquidiocesano São José - Rio de Janeiro - 1990


Trabalho executado nos meses de janeiro e fevereiro de 1990.
Participaram comigo Mir (Francisco Miranda) os então seminaristas Sérgio e Badaró.

A BELEZA É O ESPLENDOR DA VERDADE!

A Beleza e o belo são manifestações esplendorosas da verdade. Ver e contemplar o que é belo nos conduz ao verdadeiro, ao belo e ao bom. A verdade se manifesta no bem e na beleza. A arte busca o bem, e a verdade de suas manifestações nos comovem.

Na arte litúrgica, na arte sacra, bem como na religiosa, buscamos expressar por símbolos, metasimbolismos que nos abrem a um outro mundo para além da nossa compreensão cotidiana. É a vontade de abrir uma janela que nos conduza à eternidade, ainda que estejamos vivendo na eviternidade.

Se de um lado nos fatigamos diariamente com o trabalho e a dor de sua difícil realidade imanente, a arte, também fruto desse esforço, tenta nos descansar de sua fadiga. Quantas vezes dispomos da beleza da cor e suas matizes, do desenho e de suas linhas e traços, da música e seus tons e timbres, da escultura e sua chance de tocar em formas novas? Em todos esses momentos nos sentimos aliviados. Somos conduzidos, de algum modo, depois da sedução que a beleza nos provoca à tranquilidade contemplativa da própria beleza.

A arte que me propus fazer faz algum tempo tem estes sentidos. Beleza, Bem e Verdade.
Ela é cristã. É eminentemente litúrgica quando aplicada ao ato celebrativo, e por isso obedece às normas advindas do culto, mas é também sacra, porque atingida pela sacralidade daquele que faz santo e sagrado tudo o que toca.

Quero dizer que a poética intrínseca à arte cristã tem a ver diretamente com o fato da Revelação, que é a 'Incarnatio Verbum Dei'. Os traços que determinam as opções estéticas da arte cristã começam pelo fato novo, Deus se fez carne e habitou entre nós. A inabitação divina conduz a matéria da criação a um novo patamar. O Todo Santo toca a imanência da matéria, e as coisas que lhe são externas passam a ser suas de um jeito novo.

Toda a Criação é de uma beleza única. Ela, por si só, bastaria para ser fonte da inspiração artística mais profunda. Não é a à toa que a arte é também uma expressão do conhecimento análogo. Tem como princípio o que existe nas coisas, usa as coisas como matéria prima e se reinventa na ideia que o artista quer representar.

Mas a Criação Redimida pelo Filho, Verbo de Deus, possui novas formas e cores. Torna-se nova fonte de inspiração artística, e assume seu papel mediador por excelência, qual seja, analogia do novo céu e da nova terra. A arte cristã pretende ser, então, um caminho fundamentado naquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.

Faço arte cristã pensando em tudo isso. Não poderia ser diferente.

Mir