terça-feira, 17 de maio de 2011

A IMAGEM COMO SINAL

'Segundo o aristotelismo, o homem tem uma dupla possibilidade para conhecer o mundo: o pensamento direto, no qual o objeto se apresenta sem intermediário à percepção, por exemplo, na sensação; e o pensamento indireto, no qual um sinal determinado se põe entre a realidade e o espírito. Embora esta distinção nunca seja muito clara, porque a consciência dispõe de diversas ordens de imagens, a representação indireta é fundada sobre o sinal, que inclui necessariamente dois elementos, o significante, e o sentido que ele anuncia, i.é, o significado. Estes dois elementos, que são dois aspectos de uma mesma realidade, constituem o sinal. Portanto, no sinal, o mundo espiritual se une ao mundo material.

Como representação indireta, o sinal pode ser uma simples representação adequada à realidade, que, como tal, permanece presente no objeto. Isso representa o objeto como uma cópia estilizada ou é fundado sobre convenções. A esta categoria pertencem os sinais da vida cotidiana, os sinais de trânsitos, os sinais e os algoritmos das ciências, bem como as palavras de uma língua. A sua função é exprimir as definições num jeito mais claro e prático, mas acabam presas aos limites de seu domínio, são como fechados em si mesmos.


Quando um sinal não apresenta mais uma coisa sensível, mas um sentido abstrato, ou seja, quando não é mais representável, então aparece uma dimensão que ultrapassa o significante: o sinal se torna símbolo. Então, no símbolo, o significante e o significado estão intimamente unidos, mas o modo dessa união é uma analogia e não uma equação. Existe uma relação entre o sinal concreto materializado e uma realidade ausente impossível de perceber. Todavia, não obstante os seus limites, o significante representa o sentido pleno do significado.  Além disso, por influência do significado, o significante participa da abertura para o infinito. Portanto, o símbolo é centrípeto, ou seja, mediante o significado tende para o indizível, e se torna epifania. Tal interação alarga a qualidade do sinal; esse pode exprimir valores não representáveis e até mesmo antinômicos. Assim o símbolo ‘fogo’ pode ter uma gama de significados que vai do ‘fogo purificador’ ao ‘fogo infernal’.

Outra conseqüência da extensão do símbolo é que não se pode facilmente determinar-lhe o sentido. O símbolo pode ter até mesmo sentidos diversos, e, por interpretação derivada da visão particular de um artista ou sob o influxo de circunstâncias históricas, esse pode receber um novo fluxo. Assim, o orante da catacumba pode ser um símbolo da alma de um defunto, da oração e também da Igreja.

O caráter transcendental do símbolo exige mesmo um modo de expressão que ultrapassa aquele do sinal: limitando-se a um sentido direto, esse representa o conteúdo com uma certa ênfase, amplifica a força da expressão e age por redundância. A isto se junta a repetição, que permite aprofundar a irradiação do símbolo. Assim, no campo religioso, com uma repetição de palavras e gestos, os fiéis são convidados a abrir-se ao mundo para além do seu.

À categoria dos símbolos pertencem também as suas outras formas: o emblema, a alegoria, a parábola e também o sinal sob os seus diversos aspectos na filosofia moderna. Tudo isto mostra a riqueza e a potencialidade do símbolo, mas não muda a sua essência, o seu caráter transcendental.

O pensamento cristão, que tende a exprimir os mistérios da fé, usa largamente o símbolo. Inicialmente se serve dos símbolos que, não obstante a sua origem pagã, representam valores transcendentais da humanidade. Esses são aprofundados e enriquecidos com um sentido especificamente cristão (a pomba, o pavão, a âncora). Em seguida, o sentido original desaparecerá para dar lugar a novas criações, como o peixe e o cordeiro, símbolos de Cristo. Ao final desta evolução, quando a teologia terá elaborado a doutrina da encarnação, a imagem propriamente dita substituirá o símbolo, para tornar-se a representação privilegiada dos mistérios.

Mantendo todas as propriedades do sinal e do símbolo, a imagem sacra reúne o elemento humano. Transcendente e abstrato, o símbolo se torna imagem transcendente, porém concreta. Portanto o infinito se reflete no finito, o indizível se deixa exprimir.'

O ícone, imagem do invisível - de Egon Sandler - Cap 5 (continuando a tradução)

peixe e pães
afresco da Catacumba de São Calixto - séc III - Roma 

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